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A Espada de Dâmocles e a nova Lei de Abuso de Autoridade nas atividades dos Policiais Militares

  • Foto do escritor: KEOPS CASTRO DE SOUZA
    KEOPS CASTRO DE SOUZA
  • 18 de nov. de 2022
  • 4 min de leitura

Atualizado: 19 de nov. de 2022


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A cidade de Siracusa era comandada pelo Rei Dionísio. Embora fosse rico e poderoso ele era extremamente infeliz. Por governar com mão de ferro, ele vivia atormentado pelo medo de ser assassinado. Dâmocles era um cortesão bajulador na corte de Dionísio. Ele dizia que, sendo um homem de grande poder e autoridade, Dionísio era bastante afortunado. Farto da adulação, Dionísio sugeriu que eles trocassem de lugar por um dia, para que Dâmocles pudesse sentir na própria pele o peso de ser uma autoridade.


Dâmocles aceitou extasiado e, no dia seguinte, chegou bem cedo no palácio para ocupar o lugar do Rei. Ele se sentou no trono e, a partir de então, foi servido por uma multidão de criados que satisfaziam até o menor dos seus caprichos. De repente, Dâmocles ergueu os olhos e viu que logo acima de sua cabeça havia uma grande espada afiada, sustentada apenas por um fio da crina de um cavalo. Era óbvio que, se aquele fio fino se partisse, a espada iria matá-lo. Ao perceber isso, ele não conseguiu se concentrar mais na dança das belas mulheres, no sabor das comidas e bebidas. Algum tempo depois, sentindo-se extremamente exausto, implorou ao Rei para encerrar o experimento.


Lembrei-me desse conto quando entrou em vigor a nova Lei de Abuso de Autoridade, Lei nº 13.869, de 05 de setembro de 2019. Não tive dúvidas de que algumas incertezas pairavam sobre os honrados policiais militares que arriscam suas vidas diariamente, para garantir a manutenção da segurança e da ordem em nosso meio social. Passados três anos da promulgação da Lei, as discussões e debates foram esquecidos. Todavia, a Lei está valendo, e, portanto, importante se faz uma análise sobre ela, ainda que breve.


Com o objetivo de contribuir e com a certeza de que o conhecimento pode trazer mais segurança ao Policial em suas atuações, destacaremos alguns pontos dessa Lei. Conforme o Art. 2º da Lei de Abuso de Autoridade, sim, o policial pode ser o sujeito ativo, ou seja, pode praticar os crimes e receber as punições previstas nessa Legislação. Vejamos:


Art. 2º  É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando a:
I - servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas;

Referente ao “quando” a Lei poderá ser aplicada, temos o previsto no Art. 1º, que define a necessidade do agente ou servidor encontrar-se no exercício da função, ou na iminência de exercê-la, e que abuse da autoridade que lhe tenha sido atribuída, nestes termos:


Art. 1º.  Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.

Ainda no mesmo artigo, mas especificamente no parágrafo primeiro, é exigido para o reconhecimento do crime de abuso de autoridade, que o agente atue “com finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.”. Também, o parágrafo segundo define que em caso de divergência na interpretação da lei ou na avaliação de fatos e provas, não restará configurado o crime de abuso de autoridade.


Quanto as penas, no geral, não ultrapassam quatro (04) anos, tendo a maioria dos crimes a pena máxima cominada em dois (02) anos. Ainda, conforme o Art. 5º, as penas privativas de liberdade podem ser substituídas por restritivas de direitos. Vejamos:


Art. 5º  As penas restritivas de direitos substitutivas das privativas de liberdade previstas nesta Lei são:
I - prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;
II - suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, pelo prazo de 1 (um) a 6 (seis) meses, com a perda dos vencimentos e das vantagens;
III - (VETADO).
Parágrafo único. As penas restritivas de direitos podem ser aplicadas autônoma ou cumulativamente

Registre-se que o Policial Militar, condenado criminalmente por abuso de autoridade, também estará sujeito ao recebimento de sanções de natureza Civil e Administrativa. Portanto, muita atenção, a Lei prevê que a condenação criminal não impede a aplicação das sanções de natureza civil ou administrativa cabíveis em homenagem ao princípio da independência das matérias (Arts. 6º e 7º).


Por fim, os efeitos da condenação estão previstos no Art. 4º da Lei, que define a possibilidade de que o policial receba a obrigação de indenizar e reparar dos danos sofridos pela vítima, tais como: (I) a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e (II) a possibilidade de exclusão da Polícia Militar.


Os crimes e sanções em espécies estão previstas a partir do Art. 9º da Lei. Em síntese, em relação às atividades policiais, são considerados crimes de abuso de autoridade:

a) a divulgação de nomes e imagens dos acusados presos;

b) a obtenção de provas de forma ilícita;

c) a proibição do ingresso em residências sem mandado judicial ou em desacordo com as hipóteses excepcionais permissivas previstas em lei;

d) a falsa identificação do agente ou a falta de sua identificação.


Quando a nova Lei de Abuso de Autoridade entrou em vigor, foi amplamente discutida, sendo atacada e defendida pelos mais diversos setores da sociedade civil e militar. Contudo, sem avaliar o mérito da discussão, ao completar 3 anos de aplicação da Lei, podemos afirmar, com toda certeza, que no geral, os Policiais Militares brasileiros demonstraram a absoluta capacidade de cumprir, como sempre, todas as determinações legais, mesmo superando as já conhecidas dificuldades.


Entretanto, é possível concluir que a nova Lei de Abuso de Autoridade, no formato que está, representa uma verdadeira “Espada de Dâmocles” a pairar sobre a cabeça dos policiais militares. Com efeito, o conto de Dâmocles representa a ideia de que “não pode haver felicidade para aquele que está sob apreensões constantes”.


Keops Castro de Souza - Advogado

OAB/RS 94.634

WhatsApp: (51) 99998-9467


A divulgação e reprodução deste artigo está autorizada desde que na íntegra e com as informações de contato do Autor e com o link, disponível em: https://direitodomilitar.com.br . As informações sobre  o contato dos autores dos textos obedecem ao parágrafo terceiro do art.4º do Provimento 205 que alterou o Código de Ética/OAB.
 
 
 

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