Militar não precisa apresentar “fato novo” para interpor recurso disciplinar
- KEOPS CASTRO DE SOUZA

- 20 de mar. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 27 de jul. de 2022

A exigência do Regulamento Disciplinar da PM/SP de apresentar “fato novo” como requisito para ser apreciado um recurso é inconstitucional
Na Lei complementar nº 893, de 09 de março de 2001, que institui o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar, estão dispostos, no Art. 57, §6º, e Art. 58, §6º, alguns “requisitos de admissibilidade” recursal, que o Policial Militar do Estado de São Paulo deverá demonstrar para alcançar o duplo grau de apreciação na esfera administrativa.
Para uma melhor visualização, seguem os referidos artigos:
Artigo 57 - O pedido de reconsideração de ato é recurso interposto, mediante parte ou ofício, à autoridade que praticou, ou aprovou, o ato disciplinar que se reputa irregular, ofensivo, injusto ou ilegal, para que o reexamine.
(...)
§6º - Não será conhecido o pedido de reconsideração intempestivo, procrastinador ou que não APRESENTE FATOS NOVOS que modifiquem a decisão anteriormente tomada, devendo este ato ser publicado, obedecido o prazo do § 3º deste artigo.
Artigo 58 - O recurso hierárquico, interposto por uma única vez, terá efeito suspensivo e será redigido sob a forma de parte ou ofício e endereçado diretamente à autoridade imediatamente superior àquela que não reconsiderou o ato tido por irregular, ofensivo, injusto ou ilegal.
(...)
§6º - Não será conhecido o recurso hierárquico intempestivo, procrastinador ou que não apresente FATOS NOVOS que MODIFIQUEM a decisão anteriormente tomada, devendo ser cientificado o interessado, e publicado o ato em boletim, no prazo de 10 (dez) dias.
Observa-se com atenção o seguinte requisito: “Não será conhecido o recurso hierárquico que não apresente fatos novos que modifiquem a decisão anteriormente tomada”.
Seja qual for o motivo entendido e utilizado como fundamento pelo legislador para incluir os Arts. 57, §6º, e 58, §6º na Lei complementar nº 893, de 09 de março de 2001, que institui o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar da PM de São Paulo, verifica-se clara inconstitucionalidade dos dispositivos.
Como sabemos, o desejo de recorrer não é vinculado a ideia de fatos novos. Recorrer, é a manifestação do desejo da parte vencida (totalmente ou parcialmente), dentro do prazo legal, de que os mesmos fatos ou fundamentos, ou, sim, até mesmo novos fatos e fundamentos, sejam submetidos a uma nova apreciação.
Não existe a possibilidade de impor ao acusado/investigado, mesmo que na esfera administrativa, a necessidade de apresentar “fatos novos” sob pena de não conhecimento do recurso, privando-o de levar as questões apreciadas à uma nova análise. Isto é manifestamente inconstitucional, pois fere o princípio do devido processo, especialmente, no que diz respeito ao exercício da ampla defesa.
Não há como se justificar a manutenção dos artigos em questão. Suas funções, na prática, são única e exclusivamente cercear o direito do investigado de alcançar um duplo grau de apreciação administrativa.
Os riscos são imensos, não há como se aceitar que um acusado/investigado seja obrigado a se conformar com uma decisão proferida em “primeiro grau administrativo”, tendo em vista que estará impedido de devolver o mérito para um novo reexame se não apresentar “fatos novos”.
Ainda, como sabemos, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LV, dispõe:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Diante da inobservância do princípio do devido processo legal, especialmente quanto aos princípios da ampla defesa e o contraditório, entre outros, tem-se que a aplicação destes dispositivos implicaria na posterior (e inevitável) declaração de nulidade de qualquer procedimento administrativo.
Portanto, os Arts. 57, §6º, e 58, §6º, da Lei Complementar 893/01 (lei infraconstitucional), que institui o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de São Paulo, ao exigirem apresentação de “fatos novos” como pressuposto de admissibilidade dos determinados recursos administrativos, afrontam, flagrantemente, a Constituição Federal de 1988.
Keops Castro de Souza - OAB/RS 94.634





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