O Militar Contaminado Pela Covid-19
- KEOPS CASTRO DE SOUZA

- 31 de dez. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 15 de jan. de 2022
Fique Esperto e Peça a Abertura do Inquérito Sanitário de Origem

Conta-se que após uma ponte ter desabado levando alguns veículos rio abaixo, três profissionais liberais foram visitar o local. Um engenheiro, um médico e um advogado. O engenheiro pensou sobre qual teria sido a falha na estrutura que levou à queda da ponte. O médico refletiu sobre o número de vidas perdidas e de como devem ser tratados os ferimentos dos sobreviventes. O advogado pensou sobre tudo isso e começou a calcular sobre o valor das indenizações para os familiares das vítimas. Um mesmo fato e três visões de mundo diferentes. O engenheiro dirigiu seu pensamento para o passado, o médico para o presente e o advogado fez sua análise para uma hipótese futura. Mas, observe que o advogado para trabalhar precisará do conhecimento da engenharia por ocasião das perícias, do conhecimento da medicina para identificar a causa mortis e o grau de lesões dos sobreviventes, além, é claro, do próprio conhecimento da legislação para buscar as devidas reparações.
Se isso for bem entendido, você verificará que é quase inevitável fazer um paralelo entre o fato narrado acima e a doença causada pelo vírus COVID-19 que assola os militares estaduais que estão na linha de frente do atendimento à população. Então, me dirijo para os colegas que estão nesse grupo de altíssima probabilidade de contágio. Acaso você sinta os sintomas da presença do Covid-19, a providência imediata é solicitar para seu superior hierárquico a testagem da presença do vírus. Se for confirmada, você deve seguir o protocolo de providências que está ao alcance de um clique na primeira página do site da Brigada Militar. Existem dois Links. Um deles é o “saúde do policial militar” e trata até mesmo sobre o ressarcimento das despesas médicas pelo Governo. O outro é mais específico. É o “ações contra o coronavírus”. Neste Link estão todos os protocolos de providências em relação ao militar que contrair o vírus e está bem municiado com toda a legislação a respeito.
Por isso, caso suspeite de que foi contaminado pelo vírus, é imprescindível que você leia o último Boletim Sanitário e siga as instruções ali contidas. Tal qual a história da ponte que desabou, você deve pensar nas consequências futuras. Não sou médico, por isso tenho que buscar nos centros de pesquisa de referência as informações sobre as sequelas do COVID-19. E uma das que mais chamou a atenção foi a descoberta de que nos casos mais graves da doença, os pacientes (sobreviventes, é claro) apresentaram fibroses nos pulmões.
Imagine a seguinte situação: no ano de 2022 um militar saudável, que nunca fumou, faz exercícios físicos regularmente, de vez em quando até participa de uma Rústica, veio a contrair o vírus e apresentou um quadro grave. No decorrer do ano, provavelmente, está em plena recuperação; porém, a tomografia de seus pulmões indica a presença de fibroses. Não tenho a certeza se mesmo um médico teria como prever a evolução da saúde desse militar nos próximos dez ou quinze anos. Com o transcorrer dos anos, a fibrose pulmonar desaparece ou agrava a saúde dos pulmões dos pacientes? Penso que se um médico afirmar que, na verdade, ela se “estabiliza” com o passar do tempo, ainda assim vou concordar com minha avó que dizia que com a velhice nossos defeitos só tendem a piorar, nunca a melhorar.
E assim como aqueles profissionais que observam os escombros do que restou da ponte, mesmo o médico usando de sua ciência poderá ter alguma dificuldade de prever o futuro da saúde de nosso paciente. Porém, o advogado poderá prever uma hipótese do ponto de vista do Direito Previdenciário. Ele chegará a conclusão de que se a saúde do nosso militar sofrer um declínio com o passar do tempo, esse fato repercutirá no tempo de serviço que prestará na Corporação e que terá direito à passagem para a reserva mais cedo, a indenizações previstas na legislação estatutária da BM, e, dependendo do caso, também a uma promoção. Assim, a conclusão a que chegará é a de que precisará comprovar o nexo de causalidade entre o contágio e a situação médica futura do paciente. E aqui é o ponto em que ocorre a maior falha na documentação sanitária não importando se você pertence às Forças Armadas ou faça parte dos quadros das polícias ou bombeiros militares.
Nessas instituições, é extremamente comum faltar documentos que comprovem a relação de causa e efeito entre o acidente de serviço - que inclui o contágio de uma doença, segundo o art. 116, inciso III da LC n.º 10.990/97 - e suas sequelas que possuem previsão de ressarcimentos ou benefícios na legislação castrense. Geralmente, os maiores interessados, os militares enfermos ou saudáveis, detestam ler a legislação sanitária. Acham preferível ler aqueles terríveis manuais de eletrodomésticos recém comprados e que mesmo assim todos rezam para que o aparelho funcione bastando ligar na tomada e apertar o botão play.
Pois bem, confirmado o contágio, imediatamente o militar deve ler o último Boletim Sanitário e seguir rigorosamente as instruções ali contidas. Se a situação evoluir para a “Síndrome Gripal” e for determinado o afastamento temporário do serviço, o militar deve confeccionar a devida comunicação (antiga “Parte”) informando a situação e solicitando que seja feito o Atestado de Origem (AO) para que seja produzido o respectivo Inquérito Sanitário de Origem (ISO) acaso já não tenha sido determinado. Sabemos que atualmente a classe médica está assoberbada de trabalho devido a pandemia, que os médicos e enfermeiros devem priorizar a execução e não os serviços administrativos. Porém, tomando iniciativa, encaminhando a documentação correta, você ajudará os profissionais da saúde. Se você estiver afastado do serviço e a decisão for no sentido de que “não existe necessidade de Atestado de Origem”, confeccione uma segunda comunicação e solicite novamente as providências para o ISO e guarde toda a documentação (receitas, laudos etc.). Mas esta situação é incomum. Na atual pandemia, a regra, mesmo na dúvida, é realizarem o ISO.
O grande problema dos militares na ativa surgirá talvez no ano de 2022 em que estaremos acostumados ao “novo normal” do nosso cotidiano. Provavelmente, será o período em que a maioria deixará de usar máscaras de proteção e o álcool em gel será apenas uma lembrança, todavia o vírus estará entre nós. Assim, o militar que tiver a infelicidade de ter sido contaminado nesse período terá maior dificuldade em comprovar o nexo causal entre o contágio e a prestação do seu serviço. Sempre poderá haver um agente do Governo, talvez um parecerista ou um analista, ou quem sabe até um palpiteiro numa posição de chefia que questione o fato do militar ter sido contaminado durante o seu serviço. Por isso, independente do tratamento médico que o militar venha a receber, sempre deverá solicitar por escrito o Atestado de Origem.
Keops Castro de Souza - Advogado
OAB/RS 94.634





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