O Militar que se apresenta no quartel após o cometimento de um crime pode ser preso em flagrante?
- KEOPS CASTRO DE SOUZA
- 9 de jun. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 27 de jul. de 2022

O Comparecimento Espontâneo do Suspeito Pela Prática de um Crime Militar
É pouco sabido entre os militares em geral, mas o comparecimento espontâneo do suspeito, após o cometimento de um crime militar, impede a sua prisão em flagrante. Este “benefício” decorre de seu intuito de colaboração, tendo em vista que ao se apresentar após o cometimento de um crime, o militar demonstra agir de acordo com a moralidade e a ética da profissão, assim como demonstra o seu comprometimento em responder e participar de todos os atos da ação penal.
Vejamos um exemplo prático: o Soldado JOÃO DOS ANZÓIS, enquanto se deslocava para assumir seu serviço cometeu um crime militar contra seu colega no interior de um ônibus (lesão corporal grave) e ao chegar no quartel apresentou-se ao Oficial de Serviço narrando todo o acontecido.
De acordo com a legislação processual penal, esse Oficial deverá tomar por termo as declarações do Soldado. Após, deverá apresentar o Termo de Declarações ao Juiz de Direito que atue junto a uma das auditorias militares e, se for possível na prática, apresentar, também, o Soldado para que o magistrado delibere a respeito. Vejamos o que diz o Código de Processo Penal Militar:
CAPÍTULO IV
DO COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO
Tomada de declarações
Art. 262. Comparecendo espontâneamente o indiciado ou acusado, tomar-se-ão por têrmo as declarações que fizer. Se o comparecimento não se der perante a autoridade judiciária, a esta serão apresentados o têrmo e o indiciado ou acusado, para que delibere acêrca da prisão preventiva ou de outra medida que entender cabível.
Parágrafo único. O têrmo será assinado por duas testemunhas presenciais do ocorrido; e, se o indiciado ou acusado não souber ou não puder assinar, sê-lo-á por uma pessoa a seu rôgo, além das testemunhas mencionadas.
O Dr. Guilherme Nucci, que é muito conceituado no meio jurídico, em especial, no Direito Criminal, escreveu uma das raras obras que comentam o nosso Código de Processo Penal Militar.
Ele lembra que na legislação processual penal comum, até o ano de 2008, o comparecimento espontâneo do indiciado “era indicativo de impedimento para a prisão em flagrante e para a decretação da preventiva, pois demonstraria seu intuito de colaboração.” Hoje, esse dispositivo não existe mais no Código de Processo Penal Comum.
Para Guilherme Nucci, a existência desse dispositivo somente no Código Militar é “integralmente inócua” pois o magistrado ao receber o comparecimento formalizado por termo poderia “agir como bem entende”. Ou seja, o juiz pode determinar a prisão preventiva ou outra medida que entender cabível.
Para cada problema, uma solução diferente
Cumpre salientar que Guilherme Nucci é Desembargador na Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. Logo, na visão de um juiz civil, a certeza da desnecessidade do Comparecimento Espontâneo, faz todo o sentido. Todavia, os Códigos não foram feitos somente para magistrados. Isso é especialmente verdade se levarmos em conta a frase do pensador Abraham Maslow:
“Para quem só sabe usar martelo, todo problema é um prego.”
Dito de outra forma, é preciso conhecer a situação e quem está nela. Na visão de um advogado, por sua vez, a existência do instituto do Comparecimento Espontâneo é extremamente salutar tendo em vista que em situações como essa a autoridade militar não tem poder para decidir sobre a prisão do acusado. Somente o juiz.
Com efeito, segundo o Art. 262 do CPPM, o magistrado poderá decretar a prisão preventiva do suspeito, DESDE QUE atendidos os requisitos para a decretação da preventiva. Requisitos esses que estão dispostos lá nos Arts. 254 e 255 do CPPM, ou, ainda, podendo aplicar outra medida que entender cabível e que seja razoável, é claro.
Registra-se que a decretação da prisão preventiva deve acontecer somente em casos extremos, tendo em vista que o comparecimento espontâneo à autoridade militar já mostra que a decretação da preventiva não seria razoável, devendo ser afastada esta possibilidade.
Não podemos esquecer que o militar que comete um crime, em geral, possui residência fixa, tem um trabalho honrado, tem família bem estruturada, possui duradouros laços de amizade com seus colegas e sua comunidade e que dificilmente tem qualquer intenção de fugir (salvo o desertor, é claro).
Logo, para um juiz militar, um advogado militar ou qualquer outro operador do direito da caserna, a existência desse instituto no Código Militar é de extrema importância tendo em vista que, se já não mais cabível para um acusado civil, ainda o será para qualquer acusado militar. Com efeito, para cada problema, uma solução diferente.
Lembrando ainda que, ao se apresentar, o suspeito poderá manter-se em silêncio, reservando-se a indicar a sua defesa técnica, conforme os princípios da ampla defesa, não autoincriminação e do contraditório, que estão dispostos na Constituição Federal de 1988.
Keops Castro de Souza – OAB/RS 94.634
Para saber mais: Guilherme de Souza Nucci, “Código de Processo Penal Militar Comentado”. 3ª Edição. Olhar página 298.
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