Promoções por "Conveniência" e "Oportunidade"
- KEOPS CASTRO DE SOUZA

- 31 de dez. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 22 de jan. de 2022
O fim da carreira dos militares no Rio Grande do Sul

A carreira dos militares estaduais no Rio Grande do Sul acabou. Ela vinha há muitos anos definhando, isso já se sabia. Os Bombeiros e os Policiais Militares pressentiam, percebiam que alguma coisa estava errada. Só que a partir de 2020 se tornou oficial. Nos últimos anos, os militares estaduais assistiram as datas das promoções serem cada vez mais postergadas ao mesmo tempo em que o processo de inclusão de oficiais e praças quase beirou a extinção. A população gaúcha não notava porque a cada semestre o Governo anunciava na imprensa o início do processo de inclusão de novos soldados e a abertura do concurso para o ingresso de capitães, que eram postergados e feito um novo anúncio seis meses depois para serem adiados mais uma vez. E quando as vagas eram abertas, sequer cobriam uma parte mínima do efetivo que tinha ido para a reserva.
Cumpre salientar que, no ano de 2020, na data de Tiradentes, nenhum militar foi promovido. A Lei de Promoções dos Oficiais (Lei n.º 12.577/06) determina que as promoções deverão ocorrer em 21 de abril e 18 de novembro de cada ano. A Legislação de Promoção de Praças (Decreto n.º 30.618/82), na sua redação original, determinava que as promoções deveriam ocorrer nos dias 21 de abril, 20 de setembro e 18 de novembro de cada ano. A alteração no Decreto realizada no ano 2000 foi drástica e acintosa para os Praças, para dizer o mínimo. Além do Decreto dizer que as promoções “quando forem realizadas”, ou seja, se por um acaso ocorrer promoções, somente acontecerão numa única vez ao ano na data de 18 de novembro. E, contrariando o surrado discurso de “valorização dos servidores da segurança pública” repetido à exaustão no período eleitoral por todos os aspirantes a um cargo público, em fevereiro de 2020, o Governo costurou junto ao Parlamento Gaúcho a aprovação de uma Emenda à Constituição Estadual (EC n.º 78) que alterou uma condição essencial para a carreira militar: a regularidade. Se você não lembra mais o significado desta palavra, pergunte para qualquer militar das Forças Armadas quando ele será promovido e aposto que lhe dirá exatamente a data de sua promoção.
A carreira militar é completamente diferente da carreira de qualquer agente público civil, seja de qual Poder ele pertença. Para que de fato e de direito exista uma carreira que se diga militar, é imprescindível o fluxo regular e contínuo de promoções. Desde o nascedouro do Estado Moderno, as promoções aos postos e graduações superiores são o oxigênio do sistema militar. A promoção não é um direito adquirido, pois ocorrendo dentro das regras legais é um direito a ser conquistado. Tampouco é uma expectativa de direito (ao contrário do regime previdenciário) tendo em vista que ela é um dos fundamentos, a coluna mestra, da profissão das armas. Apesar disso, a Emenda Constitucional n.º 78 alterou dois artigos da constituição rio-grandense que são cruciais para a carreira militar (os artigos 31 e 47). Assim, muito discretamente, de forma quase despercebida, o Governo colocou ali duas regrinhas que dizem nada mais nada menos que as promoções ocorrerão em momento definido mediante juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública e - agora vem a pá de cal - observados os limites estabelecidos pela lei de responsabilidade fiscal.
Pelos Deuses que protegem o Direito! Juízo de conveniência e oportunidade regulando uma carreira militar! E como se não bastasse, juízo esse que estará fundamentado numa legislação fiscal que os sucessivos Governos do nosso Estado jamais cumpriram! Assim, a partir de agora, os policiais e bombeiros militares somente serão promovidos, se o Governo do Estado quiser, quando puder, quando os planetas se alinharem, se assim entender e quem sabe se tiver algum dinheiro em caixa sobrando. Em outras palavras, do ponto de vista legal, a carreira dos militares estaduais existe. Do ponto de vista formal, ela também existe. Permanece hígida. Todavia, do ponto de vista jurídico, ela é tão real quanto os nossos sonhos da madrugada. Pois bem, não podemos desanimar. Com efeito, se formos otimistas na dose certa, poderemos torcer para que aconteça aquele fenômeno que muito espanta os norte-americanos e os europeus a nosso respeito; as tais “leis que não pegam no Brasil”.
Pode ser que a Emenda Constitucional n.º 78 “não pegue”! Pode ser que tenhamos as promoções dos praças e dos oficiais no dia 18 de novembro, ainda este ano, e em 21 de abril do próximo, só para calar a boca desses falsos profetas, arautos da desgraça. E, pensando bem, mesmo que isso não aconteça, olhe pelo lado positivo. Você pode até não ter mais uma carreira, mas tem um emprego. E, descontando o risco pessoal e as agruras de uma vida de caserna, não deixa de ser um bom emprego. Para dissipar qualquer dúvida, basta olhar em volta e ver o que está acontecendo com os outros trabalhadores por todo o Brasil.
E, por fim, você pode até não TER mais uma carreira, mas continua sendo um militar DE carreira. São dois conceitos completamente diferentes. O militar que TEM uma carreira você já sabe. São os militares das Forças Armadas. O militar DE carreira, por sua vez, é aquele que, no desempenho voluntário e permanente do serviço policial-militar tem vitaliciedade assegurada ou presumida. E, esta condição ninguém pode lhe tirar. Está assegurada no art. 3º, §2º, do Estatuto dos Militares Estaduais. Se bem que.... Tem aquele artigo de lei... Deixa para lá!
Keops Castro de Souza - Advogado
OAB/RS 94.634





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