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Subsídio dos Militares Estaduais: A Maior de Todas as Traições

  • Foto do escritor: KEOPS CASTRO DE SOUZA
    KEOPS CASTRO DE SOUZA
  • 31 de dez. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 15 de jan. de 2022


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Em 1992, o escritor Nelson DeMille publicou o livro "A Filha do General". O livro se tornou um sucesso de público e crítica. Alguns anos depois, em 1998, foi lançada uma adaptação cinematográfica do livro estrelado pelo ator John Travolta. Atualmente, você pode assistir na Netflix. No filme, Travolta encarna o papel de um oficial militar encarregado de desvendar, em somente 36 horas, o assassinato da filha de um general das forças armadas norte-americanas e futuro candidato à vice-presidência dos Estados Unidos. O filme já foi classificado como suspense, drama e até mistério.

Mas o que o espectador percebe durante o desenrolar das investigações é que o filme, na verdade, trata sobre traição e vingança. E durante a trama que se desenvolve, percebemos que o pai traíra a confiança da filha quando ela mais precisava de sua ajuda. Como ele fez isso, só descobrimos ao final do filme. A vingança é filha da traição e a história está repleta de relatos de vingança contra a figura paterna, tal como Brutus contra seu pai de criação, o Imperador Júlio César. E na história da Brigada Militar, quem representaria a figura do pater? O patrono da Brigada, o Coronel Massot? Em algum momento do passado ele já representou esse papel. Porém, ele não era o “Comandante Supremo da Brigada Militar”. Nunca o foi.

O termo “Comandante Supremo” ou “Comandante em Chefe” é derivado do latim imperator e se refere somente aos civis que receberam poderes de imperium ("comando") sobre as forças militares de uma nação através de suas Constituições, a exemplo do Presidente da República ou do Governador do Estado em relação ao Corpo de Bombeiros e da Brigada Militar. Então, o Comandante Supremo é aquele que está acima do Comandante-Geral, é aquele que, segundo o Art. 30 do seu Estatuto, os Militares Estaduais devem jurar acatar suas ordens. A este juramento público e solene, o Estatuto chama de “compromisso policial-militar”. Por outro lado, os Militares Estaduais, evidentemente, esperam a máxima lealdade de seu Comandante Supremo. Além de tal expectativa fazer parte da cultura militar, ninguém melhor que os fardados sabem que a lealdade é uma via de mão dupla.

Entretanto, o Comandante Supremo dos Militares Estaduais, o Pater, apresentou um projeto de lei que logo se transformou na Lei Complementar n.º 15.454/2020, cuja Ementa diz que essa Lei fixa o subsídio mensal dos militares estaduais. Ementa é aquele texto bem curtinho que fica logo abaixo do número da Lei. O local onde fica o número da lei é chamado de epígrafe. A função da Ementa é dizer qual é o objeto da lei. Do que trata a lei. Pois bem, nessa lei que trata do subsídio (uma forma de retribuição pecuniária) dos militares, foi colocado um “artiguinho” que trata de uma matéria que a Constituição Federal proíbe de estar ali. Enquanto toda a Brigada e os Bombeiros discutiam, se ofendiam, digladiavam, sobre a votação do subsídio, o Pater aproveitando esta cortina de fumaça que ele mesmo criou, encaixou, manhosamente, no Art. 5º da Lei, a regra de que a promoção ao grau hierárquico superior imediato só valerá para os praças que preencherem determinados requisitos até o dia 31/12/2019. É inevitável que todos façam as perguntas que não querem calar. Se essa Lei foi publicada em 17/02/2020, como ela pode criar regras que retroagem antes mesmo dela existir? Não pode. A lei nacional que regula as normas do direito brasileiro (D-L 4.657/42) proíbe tal situação. Como ficam os praças que tinham o direito à reserva entre 31/12/2019 a 17/02/2020, dia da criação da lei? Ficam “a ver navios”. Pior ficaram os praças que neste ano iriam para a reserva, pois, esta lei nem mesmo criou uma regra de transição. Essa lei rasgou quase toda a legislação pátria, prejudicando dezenas, talvez até centenas de Bombeiros e PMs. Só para você ter uma ideia, a lei federal que regula como devem ser feitas todas as leis do Brasil (Lei Complementar 95/98) proíbe que a lei contenha matéria estranha ao seu objeto (Art. 7º). Ou seja, se a ementa da lei diz que o objeto é subsídio, a lei só pode tratar de subsídio. Não pode tratar de matéria de previdência. É que na legislação dos militares estaduais, a promoção ao grau hierárquico superior imediato, é matéria de direito previdenciário justamente porque só pode ser concedida após a inativação. Mas, como desgraça pouca é bobagem, essa regrinha criada pelo Governo também conseguiu ofender a Constituição Federal; pois a Constituição, com a nítida intenção de proteger os militares, é clara em determinar que qualquer disposição referente a previdência dos militares, somente pode ser feita por lei estadual específica (art. 42, § 1º).

A lei específica, também chamada especial, é a que a Constituição confia à disciplina de matéria determinada. E essa regrinha previdenciária, prejudicial aos praças, estava onde mesmo? Há, sim. Dentro de uma lei que trata sobre subsídio. Como você pode perceber, o legislador criou uma série de proteções legais para que ele não seja enganado no momento de votar uma lei. Também, para que a população tenha conhecimento de qual matéria será votada. Mas, de nada adiantou toda essa proteção. Se o que aconteceu até aqui fosse um roteiro de Hollywood, a cena final do filme seria o Pater, em nome da redução de despesas, ordenando que lançassem as granadas de fumaça, subindo no helicóptero e deixando seus comandados sangrando no campo de batalha. The End.

Todavia, o que os livros nunca esquecem de demonstrar, é que historicamente, no Brasil, toda a revolta militar originou-se no momento que, de alguma forma, os militares se sentiram traídos pelo Governo. E como a arte não se esquece de imitar a vida, assim como no filme “A Filha do General”, percebemos que a maior de todas as traições não é a que a esposa possa fazer para o marido, a que o namorado possa fazer para sua parceira, nem mesmo a que seu irmão possa fazer para você ou ainda a que uma amiga de infância possa fazer para sua colega. A maior de todas as traições é a traição paterna.


Keops Castro de Souza - Advogado

OAB/RS 94.634

 
 
 

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